Noções Sobre Alienação Fiduciária de Bem Imóvel
Introdução
Tendo em vista que é muito comum a alienação fiduciária de imóveis, muitos aspectos podem ensejar dúvidas.
Neste breve trabalho, sem a pretensão de esgotar o assunto, nos dedicaremos apenas à apresentação de algumas noções sobre o tema.
1. Conceito e aspectos gerais
Atualmente é a Lei nº 9.514/1997 que disciplina a alienação fiduciária de bem imóvel, sendo que seu artigo 22 a define como “o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.
Trata-se, portanto, de uma garantia pela qual o fiduciante (devedor) transfere a propriedade (resolúvel) do imóvel ao fiduciário (credor) até que seja cumprida a obrigação de quitar a dívida.
Pode-se dizer, portanto “que na alienação fiduciária em garantia existem dois contratos: a compra e venda perfeita e acabada quando se entrega o imóvel e, o outro, o de mútuo, viabilizado por instituição bancária ou pela própria construtora/vendedora que detém o imóvel vendido como garantia do pagamento.” (TJ/SP – 4ª C. Dir. Priv., Apel. nº 0048261-88.2003.8.26.0002, Rel. Des. Teixeira Leite, julg.04.08.2011)
A alienação fiduciária não é de contratação exclusiva das instituições que operam no Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), podendo ser contratada por qualquer pessoa (física ou jurídica).
A constituição da alienação fiduciária de imóveis se dá através do registro do respectivo contrato no competente órgão de Registro de Imóveis, acarretando o desdobramento da posse. O fiduciante será o possuidor direto do bem, e o fiduciário o possuidor indireto.
Tal como exige o artigo 24 da Lei nº 9.514/1997, o contrato de alienação fiduciária de imóvel deve atender alguns requisitos, de modo a conter: a) o valor do principal da dívida; b) o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário; c) a taxa de juros e os encargos incidentes; d) a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição; e) a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária; f) a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão; e g) a cláusula dispondo sobre os procedimentos destinados ao leilão público do bem no caso de inadimplemento do fiduciante (art. 27).
1.1. Do cumprimento da obrigação pelo fiduciante
Uma vez efetuado ao pagamento integral, o fiduciário deverá fornecer ao fiduciante, no prazo de 30 (trinta) dias contados do pagamento, o correspondente termo de quitação, que averbado no Registro de Imóveis competente, restabelecerá sua propriedade plena.
Caso o fiduciário não entregue o termo de quitação no prazo, estará sujeito ao pagamento de multa em favor do fiduciante, a qual corresponderá a 0,5% ao mês ou fração, sobre o valor do contrato.
1.2. Do descumprimento da obrigação pelo fiduciante
Nos termos do artigo 26, da citada Lei nº 9.514/1997, caso o fiduciante não honre com sua obrigação de quitar a dívida, deverá ele (ou seu representante legal ou procurador) ser constituído em mora. Para isto, o fiduciário precisará promover sua notificação concedendo-lhe o prazo de 15 (quinze) dias para pagar os valores vencidos e os que vencerem até a data do efetivo pagamento, o que inclui juros, multa e demais encargos contratuais (tributos, taxas condominiais, despesas de cobrança).
Via de regra, a notificação deverá ser feita pessoalmente através do Oficial de Registro de Imóveis, podendo este solicitar sua realização por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca em que se situa o imóvel, ou do domicílio de quem deva recebê-la; ou ainda, pelo correio, com aviso de recebimento.
Se eventualmente o devedor se encontrar em lugar incerto e não sabido, poderá a notificação ser feita através de edital, que deverá ser publicado pelo menos por três dias em um dos jornais de maior circulação, atendendo-se as exigências do artigo 26, § 4º.
Desejando purgar a mora, o fiduciante precisará efetuar o pagamento perante o Oficial do Registro de Imóveis. Purgada a mora, o Oficial de Registro de Imóveis deverá, no prazo de 03 (três) dias, entregar ao fiduciário os valores recebidos, deduzindo a parte correspondente ao imposto (ITBI) e às despesas de cobrança e notificação.
Feita a notificação e não realizado o pagamento no prazo de 15 dias, o oficial do competente Registro de Imóveis certificará esse fato e promoverá a averbação da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, após este efetuar o pagamento do imposto (ITBI) e, se for o caso, do laudêmio.
1.3. Do leilão
Diante do inadimplemento do fiduciante e consolidada a propriedade em favor do fiduciário, este, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data do registro, realizará leilão público para a alienação do imóvel. Para isto, observar-se-á o valor indicado no contrato, tal como previsto no artigo 24, VI.
Caso no primeiro público leilão o maior lance oferecido seja de valor inferior ao do imóvel, tal como estipulado no contrato (art. 24, VI), o fiduciário deverá realizar novo leilão dentro dos 15 (quinze) dias seguintes.
Quando do segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde o valor seja igual ou superior à dívida, que incluirá despesas, prêmios de seguro, encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais (ver o § 3º, do artigo 27, da Lei nº 9.514/1997).
Do valor auferido com a venda do imóvel em leilão, o fiduciário deverá, nos 05 (cinco) dias subsequentes, deduzir o valor total da dívida, incluindo as despesas e os encargos de que tratam os §§ 2º e 3º do artigo 27,[1] restituindo ao fiduciante a quantia remanescente, o que importará quitação. Não se aplica, no caso, não se aplicando o disposto na parte final do art. 1.219 do Código Civil (correspondente ao artigo 516 do Código Civil de 1.916). Esse dispositivo trata do direito de retenção por benfeitorias.
Entretanto, caso no segundo leilão, o maior lance oferecido não seja igual ou superior ao valor referido no § 2º, do artigo 27 (dívida, despesas, prêmios de seguro, encargos legais, tributos e contribuições condominiais), considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação, nada mais podendo ser exigido do fiduciante. Nesta hipótese o fiduciário deverá, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, entregar ao fiduciante o termo de quitação da dívida.
Frise-se, por fim, que nos termos do artigo 1.428 do Código Civil “é nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento”. Assim, é vedado (o pacto comissório) ao fiduciário, no caso de inadimplemento do fiduciante, manter-se proprietário do imóvel, não o levando a leilão. Nesse sentido:
“Cabe esclarecer que na hipótese de inadimplemento em contratos firmados sob a alienação fiduciária em garantia, dada a impossibilidade de pacto comissório (artigo 1428 do CC), inicia-se o procedimento de excussão e leilão do bem que, se não tiverem licitantes, é transferido ao vendedor, mas se positivo e se vendido por valor superior ao da dívida, tal diferença é devolvida ao devedor.”
(TJ/SP – 4ª C. Dir. Priv., Apel. nº 0121324-79.2008.8.26.0000, Rel. Des. Teixeira Leite, julg. 21.07.2011)
2. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
Como se observa da Lei nº 9.514/1997, não há nenhuma disposição tratando da hipótese de o imóvel não ser arrematado em nenhum dos dois leilões. Neste caso, considerando-se que o ordenamento jurídico veda o enriquecimento sem causa, entendemos que a solução se encontra no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, pelo qual “nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”.
Desta forma, o fiduciário restituirá ao fiduciante os valores pagos, descontando o montante correspondente às despesas resultantes do caso específico (despesas relativas à mora, indenização pelo uso do imóvel, gastos administrativos, comerciais e operacionais, etc.).[2]
Conclusões
Pelo contrato de alienação fiduciária de bem imóvel o fiduciante transfere ao fiduciário a propriedade (resolúvel) do imóvel até que seja cumprida sua obrigação de pagamento.
Caracterizado o inadimplemento pelo fiduciante, a Lei 9.514/1997 estabelece o procedimento a ser observado para os leilões, sendo que não havendo a arrematação, aplica-se o artigo 53 do CDC, pelo qual o fiduciário restituirá ao fiduciante parte dos valores por pagos.
CARLOS ALBERTO DEL PAPA ROSSI
Advogado, consultor em negócios imobiliários, pós-graduado em Direito Tributário (PUC/SP), pós-graduado em Direito Processual Civil (PUC/SP), MBA com ênfase em Direito Empresarial (FGV/SP), Extensão Universitária em Direito Imobiliário (FMU), autor do livro “Introdução ao Estudo das Taxas” e de artigos publicados em revistas especializadas e eletronicamente.
* (Reprodução autorizada desde que citada a fonte)
[1] Prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, juros convencionais, penalidades, encargos contratuais, encargos e custas de intimação, despesas necessárias à realização do público leilão, inclusive anúncios e comissão do leiloeiro.
[2] Cf. TJ/SP – 4ª C. Dir. Priv., Apel. nº 0446328-74.2010.8.26.0000, Rel. Des. Natan Zelinschi de Arruda, julg. 26.05.2011.