DIREITOS DE VIZINHANÇA – ATIRANTAMENTO – CONSTRUÇÃO DE TIRANTES DE SUSTENTAÇÃO EM SUBSOLO ALHEIO SEM AUTORIZAÇÃO DO RESPECTIVO PROPRIETÁRIO – ILEGALIDADE
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Introdução
Há projetos de edificações que são elaborados com a previsão de atirantamento. Ou seja, em determinados casos, para a escavação de um terreno projeta-se a construção de paredes ancoradas através de tirantes. Ocorre que em muitas edificações, quando se pretende escavar toda a área do terreno, haverá a necessidade de os tirantes serem construídos nos subsolos de imóveis vizinhos, e por tal motivo, tratando-se de propriedades alheias, inevitável se mostra que o construtor consiga as autorizações dos respectivos proprietários.
Apesar de ser indispensável essa autorização para uso de subsolo alheio, em muitos casos, já cientes de que as autorizações são muito difíceis de serem conseguidas sem que haja uma contrapartida, alguns construtores preferem dar início às suas obras sem informarem os proprietários vizinhos de que em seus imóveis (no subsolo) serão construídos os tirantes. Acreditam que essa utilização desautorizada de subsolo pode passar sem ser percebida pelo proprietário do subsolo vizinho. Isto, se realmente levado a efeito, caracteriza esbulho possessório.
Neste modesto trabalho, faremos breves e superficiais observações sobre esse método de contenção para, analisando o direito aplicável, apresentarmos nossa conclusão pela ilegalidade do seu emprego quando não autorizado pelo proprietário em que se pretende construir os tirantes de sustentação.
1. Sistema de contenção por atirantamento – breves considerações
Em algumas obras, em que a escavação será de profundidade média ou grande, excluindo-se as alternativas mais econômicas, como por exemplo, através de escoras ou cravação de perfis de madeira ou metálicos, executa-se a contenção pelo método de atirantamento. Por este, a contenção é construída no terreno que não será escavado.
Em linhas gerais, inicialmente, antes de se começar com a escavação, procede-se à construção de uma parede no interior do solo que será escavado, circundando toda a área em que será feita a escavação. A esse tipo de parede dá-se o nome de parede diafragma. Pronta a parede diafragma dá-se início à escavação do terreno. À medida em que a escavação vai se aprofundando é necessário evitar que a parede diafragma tombe, e com ela desmoronem edificações vizinhas. Para tanto, há quem se utilize do método de atirantamento, pelo qual tirantes vão sendo construídos por toda extensão da parede diafragma na medida em que a escavação vai se tornando mais profunda.
Os tirantes são elementos lineares de ancoragem que permitem transferir esforços de tração entre duas extremidades. Podem ser agrupados em três espécies: de barras, de cabos e de cordoalhas. Suas principais aplicações são: a) contenção de taludes em solo e rocha; b) sustentação de paredes para escavação profunda; c) ancoragem de lajes para combater a subpressão; e, d) fixação de estruturas especiais em solo ou rocha.
Em apertado resumo, a construção dos tirantes passa por quatro etapas básicas: a) perfuração, com revestimento, no solo que não será escavado; b) inserção de barras, cabos ou cordoalhas no interior dos furos, até as respectivas extremidades; c) concretagem da ancoragem passiva (preenchimento dos bulbos com nata de cimento sob pressão); e, d) ancoragem ativa executada.
Há máquinas (perfuratrizes) específicas para solos moles ou rochosos, capazes de perfurarem até 15 metros de comprimento com diâmetros de 30 centímetros ou mais. Ao final da perfuração, essas máquinas possibilitam o alargamento do furo na extremidade, formando um tipo de bulbo, no qual o concreto é injetado sob pressão. Entre essa extremidade em que é injetado o concreto e o início do furo estão os cabos ou cordoalhas de aço, sendo que no local em que se iniciou o furo procede-se à ancoragem ativa, tendo-se os cabos protentidos.
Esse assunto ganha relevo no campo do Direito Civil na exata medida em que tal método de contenção é empregado através da construção dos tirantes no solo que não será escavado; e em muitas situações esse solo não pertence ao proprietário do terreno em que se fará a escavação. Ou seja, a construção dos tirantes será feita em subsolo de propriedade alheia.
Para ilustrar, imagine-se que uma construtora edificará um prédio, sendo que as garagens dos apartamentos ficarão no respectivo subsolo, e para a construção destas garagens a construtora pretende escavar a totalidade da área de seu terreno. Nesse exemplo, a opção pelo sistema de contenção por atirantamento exigirá que os tirantes de sustentação sejam construídos no subsolo dos imóveis vizinhos, o que, já adiantamos, não é lícito sem as expressas autorizações dos respectivos proprietários.
Nota-se, sem margem para dúvidas, que, no futuro, caso o proprietário do imóvel que teve seu subsolo perfurado pelo vizinho para a construção dos tirantes deseje utilizar esse subsolo (para construir ou aprofundar uma piscina, para fazer garagens no subsolo, construir um porão, etc.), que é de sua propriedade, estará impedido, haja vista a existência de vários tirantes de sustentação que foram construídos (no seu subsolo) de ponta a ponta do terreno, cuja remoção pode ser impossível ou exigir obras que além de altamente complexas, demandam custos astronômicos.
2. O direito de construir e a proteção possessória
Ao disciplinar o direito de construir, o artigo 1.299 do Código Civil é expresso ao dispor que o proprietário só está autorizado a realizar construções “em seu terreno”, verbis:
“Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos” - (demos ênfase).
Como é sabido, o direito de construir não é absoluto, e o dispositivo acima transcrito, por si só, é suficiente para limitar o exercício de tal direito ao interior do lote em que se fará a construção. Note-se que a norma em comento, além de travejar os limites dentro dos quais o proprietário pode construir, exige que a construção seja realizada de modo a respeitar os diretos dos vizinhos, bem como esteja em conformidade com a normatização administrativa (esta nunca poderá dispor de forma contrária à legislação de hierarquia superior).
Sem maiores dificuldades, podemos concluir que o citado artigo 1.299 do Código Civil proíbe qualquer proprietário de extrapolar os limites de seu terreno para, invadindo os imóveis vizinhos, construir tirantes destinados à sustentação de sua edificação. Certamente estar-se-á diante de patente caso de esbulho possessório sempre que esses tirantes forem construídos em subsolo alheio sem a devida autorização. Frise-se, que por se tratar de norma federal, nenhum município pode legislar em sentido oposto para, por exemplo, cedendo às pressões de poderosas construtoras, permitir atirantamento em subsolo vizinho sem o expresso consentimento do seu proprietário.
Alguns poderiam, sem razão, alegar que em muitas situações em que se pretende a utilização dos tirantes, estes apesar de serem construídos em terrenos alheios, o são no subsolo, e isto não alteraria, em nada, o uso e o gozo que o proprietário do imóvel lindeiro a ser perfurado já tem.
Ocorre que, seja ou não em subsolo, haja ou não interferência no uso ou gozo do imóvel do proprietário lindeiro, o esbulho não pode, de forma nenhuma, ser tolerado. Trata-se, na verdade, de ato odioso, injustificável e inadmissível, não merecendo nenhum tipo de guarida.
A propriedade do subsolo, e igualmente do espaço aéreo, pertence ao proprietário do respectivo solo. Ou seja, aquele que adquire um determinado lote, é proprietário dos respectivos espaço aéreo e subsolo, que não podem, sob nenhum argumento, serem utilizados pelos vizinhos que pretendem atender seus interesses exclusivamente particulares. É o que dispõe o artigo 1.229 do Código Civil, in verbis:
“Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.”
De outra forma certamente não poderia ocorrer, haja vista a inevitável instalação do caos.
Apenas para melhor ilustrarmos o que se expõe, e evidenciar o absurdo que seria não haver a proteção do subsolo ou espaço aéreo, imaginemos a seguinte situação: em um determinado lote, o proprietário construiu sua casa. Posteriormente, no terreno que há ao lado, o proprietário deste, sob o argumento de que seu vizinho já tem a casa construída, mas não utiliza seu subsolo, acredita que pode escavar seu terreno invadindo o subsolo de seu vizinho, adentrando sob a casa que ali existe, para nesse subsolo invadido construir algo que seja de seu interesse, como por exemplo, um salão, um porão, uma adega, uma ampliação de sua garagem, etc. Este exemplo, apesar de singelo, evidencia a razão pela qual o legislador protegeu a propriedade do subsolo e do espaço aéreo.
No caso dos tirantes, a situação é a mesma, pois como visto são estruturas de concreto que seriam construídas no subsolo do vizinho, caracterizando a invasão se não houver a devida autorização por quem de direito.
De fato, não é porque o proprietário de um terreno construiu sua casa sem utilizar seu subsolo, que qualquer vizinho pode extrapolar os limites de sua divisa para, nesse subsolo alheio, edificar qualquer coisa. Afinal, nada impede que o proprietário de um imóvel que não utiliza seu subsolo num determinado momento venha a utilizá-lo posteriormente, pois em seu terreno, como lhe assegura o já citado artigo 1.299 do Código Civil, poderá fazer as construções que desejar, respeitando os direitos dos vizinhos e posturas administrativas. Assim, se no futuro desejar demolir sua casa em que não há uso do subsolo para edificar outra com todo seu subsolo ocupado por garagem, poderá fazê-lo se assim permitirem os regulamentos administrativos e não violar direitos dos vizinhos.
Poderiam, os menos avisados, alegar que embora o artigo 1.229 estabeleça que a propriedade do espaço aéreo e do subsolo pertença ao proprietário do solo, a parte final desse dispositivo reza: “..., não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las”; e por isto, poderia o vizinho (terceiro) invadir o subsolo de propriedade alheia para construir, por exemplo, os tirantes que lhe interessam.
Tal entendimento, no mínimo absurdo, além de ser favorável à instalação do caos, haja vista que estar-se-ia incentivando a invasão de subsolo e espaço aéreo vizinhos, conforme exemplo acima, decorre de uma interpretação literal do mencionado artigo 1.229, e não de uma interpretação sistemática, que é a mais acertada.
Com efeito, há situações em que o proprietário não pode se opor à utilização de seu subsolo ou espaço aéreo. Entretanto, nunca, e sob nenhum pretexto, por um particular, como é o caso do vizinho que simplesmente deseja ultrapassar os limites de seu terreno. A previsão de que o proprietário não pode se opor ao uso de seu subsolo ou espaço aéreo existe em razão do interesse público, como é o caso, por exemplo, da passagem de túneis de metrô. De fato, trata-se de obra realizada em grandes profundidades em que jamais o proprietário do solo fará qualquer tipo de uso. Além disso, como dito, estar-se-á diante de uma situação em que se tem o interesse público contra o interesse do particular, prevalecendo o primeiro.
Há ainda, que se destacar que mesmo em se tratando de casos em que o uso do subsolo ou espaço aéreo alheio seja justificado pelo interesse público, como por exemplo para passagem de cabos, tubulações de gás, água, esgoto, etc., o artigo 1.286 do Código Civil é expresso ao assegurar que o proprietário daquele subsolo será indenizado.
Tal situação, legitimada pelo interesse público, não pode ser confundida, de maneira nenhuma, com outras de interesse privado. A titulo de ilustração, é absolutamente ilegal que uma determinada construtora, pretendendo edificar um condomínio de apartamento que serão por ela vendidos, apenas visando seus lucros, invada o subsolo dos imóveis vizinhos ao terreno em que fará tal edificação, para construir os tirantes que sustentarão a sua escavação.
Inexiste no ordenamento jurídico brasileiro qualquer previsão autorizadora de tamanho absurdo, e que obrigue o proprietário vizinho à escavação a suportar a invasão de seu subsolo. Muito pelo contrário, pois o direito positivado protege sua propriedade e sua posse.
O Código Civil, em seu artigo 1.210, é expresso ao assegurar ao possuidor de um imóvel o “direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. A posse é tão relevante que com o objetivo de dar efetividade à sua proteção, o ordenamento jurídico brasileiro, em uma das poucas situações em que permite a justiça pelas próprias mãos, autoriza o possuidor do imóvel a fazer uso da força que for necessária para manter-se na posse, ou dela se restituir. É o que estabelece o § 1º do citado artigo 1.210 do Código Civil, in verbis:
“§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.”
Como já dito, não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma disposição normativa obrigando o proprietário ou possuidor de um imóvel a tolerar que em seu subsolo o vizinho construa tirantes para a sustentação de suas obras.
Ressalte-se, ainda, que direito de propriedade é um direito fundamental assegurado constitucionalmente (art. 5º, CRFB/1988), não podendo ser alterado nem mesmo pelo Poder Constituinte Derivado através de emendas constitucionais (art. 60, §4º, IV, CRFB/1988). Com efeito, os limites ao direito de propriedade só podem ser aqueles previstos pelo Poder Constituinte Originário, sendo que no corpo da Lex Suprema não há nenhuma autorização para que um particular viole a propriedade de outro. As poucas normas constitucionais que implicam restrições ou limitações ao direito de propriedade, inclusive prevendo a desapropriação, estão relacionadas à prevalência do interesse público e social sobre o interesse privado, mas nunca permitindo que um particular viole a propriedade de outro.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, analisando caso em que o dono da obra extrapolou os limites de seu terreno para construir tirantes de sustentação no subsolo de seu vizinho sem a devida autorização, concluiu, como já era de se esperar, pelo esbulho possessório, in verbis:
“REINTEGRAÇÃO DE POSSE. Edificação em divisa. Tirantes que invadem o subsolo. Sentença de improcedência, sob o fundamento de ausência de esbulho, pelo não impedimento de sua propriedade. Pretensão à reforma. Cabimento. Irrelevância de a invasão ter ocorrido no subsolo e de não impedir a fruição da propriedade. Subsolo que é parte integrante da superfície. Direito de construir limitado ao lote onde se erguerá a construção. Aplicação do art. 1.299 do CC. Esbulho reconhecido. Sentença reformada. Recurso provido.”
Em seu brilhante voto, o Exmo. Desmbargador Erson Teodoro de Oliveira bem expôs o seu entendimento no sentido de que é irrelevante se o proprietário do imóvel vizinho faz ou não uso de seu subsolo, bem como se a construção de tirantes nesse subsolo é segura ou não, pois não havendo a autorização do proprietário tem-se caracterizado o esbulho. Confira-se, in verbis:
“(...)
Forçoso, portanto, concluir que a invasão foi demonstrada, embora sem danos físicos à construção do autor. A questão está em decidir-se quanto a constituir ou não, essa invasão de subsolo, o esbulho em seu entendimento técnico-jurídico, seja em decorrência da sua localização e profundidade, seja em face da ausência de restrição de gozo e fruição da propriedade do autor.
Ocorre, no entanto, que a invasão de construção em área de terra alheia não é permitida em hipótese alguma, salvo se autorizada por quem de direito.
Veja-se que o Código Civil, ao disciplinar o direito de construir, refere-se a que o proprietário pode levantar "em seu terreno" (art. 1.299, do CC).
Não há previsão legal, geral, para que a sustentação de uma obra seja feita sob a superfície do terreno vizinho. Ademais, conquanto a utilização de tirantes para sustentação de muro divisória seja muito difundida, e às vezes necessária em lugares de desníveis formidáveis de terrenos, a inserção de concreto por sob a superfície da propriedade alheia constitui esbulho defensável.”
Mister se faz destacar que mesmo antes de o vizinho iniciar a construção dos tirantes em seu subsolo, o proprietário ou possuidor ameaçado já pode manejar ação de interdito proibitório, tal como previsto pelo artigo 932 do Código de Processo Civil, sendo possível, ainda, a obtenção de mandado proibitório liminar, com penalidade diária no caso de transgressão, in verbis:
“Art. 932. O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.”
3. Situação específica e curiosa do Município de São Paulo
Especificamente no Município de São Paulo, diante do curioso conflito entre as determinações impostas por LEI, com algumas disposições de natureza meramente administrativas (não legais), mostra-se interessante dedicarmos algumas linhas a tal questão.
3.1. Imposições legais
No Município de São Paulo, a Lei Municipal 11.228/1992, conhecida como Código de Obras e Edificações, em seu subitem 9.2.1. é expressa ao dispor que todas as fundações e estruturas devem ficar inteiramente situadas dentro dos limites do lote, in verbis:
“9.2.1 – As fundações e estruturas deverão ficar situadas inteiramente dentro dos limites do lote e considerar as interferências para com as edificações vizinhas, logradouros e instalações de serviços públicos.”
Referido dispositivo legal, ao exigir do construtor que não deixe de respeitar os limites de seu terreno, nem mesmo para construir fundações e estruturas, está em perfeita sintonia com a legislação que lhe é superior, haja vista que além de não afrontar a Constituição Federal, observa o disposto no já citado artigo 1.299 do Código Civil.
Desta maneira, tanto a legislação federal (Código Civil) como a legislação do Município de São Paulo (C.O.E.) obrigam os construtores a respeitarem os limites do terreno em que farão suas edificações.
Fato curioso, e que causa estranheza, é que apesar do disposto no art. 1.299 do Código Civil, bem como nos subitens 9.2.1. e 6.1.1. da Lei Mun. nº 11.228/1992, a Secretaria da Habitação (SEHAB), através de sua Comissão de Edificações e Uso do Solo (CEUSO), editou a Resolução CEUSO nº 101/2006, cujo texto merece algumas considerações.
3.2. A Resolução SEHAB/CEUSO nº 101/2006
Já expusemos que tanto a Constituição Federal (ao assegurar o direito de propriedade), como o Código Civil (art. 1.299) e a Lei Mun. nº 11.228/1992 (subitem 9.2.1.) proíbem que o construtor invada imóvel alheio para nele fazer qualquer tipo de construção, seja ela provisória ou definitiva. Somente se devidamente autorizado pelo respectivo proprietário, poderá alguém construir em terreno alheio.
Apesar da clareza dessas disposições legais, a curiosa Resolução CEUSO nº 101/2006, dispõe em seu item nº 2 que para a aprovação de projetos de edificações em que se pretende utilizar tirantes não se necessita da obtenção da anuência dos vizinhos. Confira-se:
“2. A obtenção de anuência de vizinhos para execução de tirantes não deve ser exigida durante a aprovação de projeto de edificações, de execução das mesmas e respectiva expedição do Certificado de Conclusão, por não constar das disposições legais do COE e da LPUOS, tratando-se de matéria de Direito Civil, interpartes e, quando confinantes com áreas públicas, são objeto de análise pela SIURB, ressaltando que nem constam das normas de orientações técnicas, ou recomendações aos profissionais da construção civil, efetuadas através das NTOs.”
Esse item, de cunho meramente administrativo, não só se encontra em total desacordo com a própria Lei Mun. nº 11.228/1992, como também contraria o artigo 1.299 do Código Civil, que limita qualquer tipo de construção ao interior do terreno do construtor. Essa violação à legislação, por si só, torna o item nº 2 da Resolução CEUSO nº 101/2006, de nenhuma valia. Não se exige grande capacidade de raciocínio para concluir que se a lei veda qualquer tipo de construção desautorizada em imóvel alheio, a construção de tirantes em terreno vizinho sem a autorização do respectivo proprietário caracteriza esbulho possessório, sendo portanto inadmissível.
Interessante observar que esse item nº 2 da citada resolução, também é expresso ao dispor que a matéria relativa à construção de tirantes em imóvel de propriedade alheia é regida pelo “Direito Civil”. Ou seja, ao mesmo tempo em que tal resolução sugere ser possível e aceitável, pela fiscalização municipal de São Paulo, que qualquer construtor, assim desejando, pode invadir terrenos alheios para construírem seus tirantes, a própria resolução, no mesmo item nº 2, indica a necessidade de se observar as normas de Direito Civil, sendo que, como já dissemos e repetimos, é o Código Civil, em seu artigo 1.299, que obriga o proprietário a construir apenas “em seu terreno”.
Noutras palavras o item nº 2 da resolução em comento, de nada serve, podendo, na verdade, acabar levando os construtores à equivocada conclusão de que no Município de São Paulo passou-se a admitir a construção de tirantes em terreno vizinho, mesmo que sem a autorização de quem de direito. Isto, no final das contas, poderá sujeitar o construtor, que assim entender, a responder judicialmente pela invasão, inclusive com a possibilidade de vir a ser condenado não só a indenizações, como também à retirada dos tirantes, o que poderá exigir obras extremamente complexas e vultosos gastos.
Outro ponto curioso constante dessa resolução está na redação do seu item nº 3, dizendo que “os tirantes como elementos estruturais de ancoragem provisória para contenção do terreno durante a sua escavação e preservação dos vizinhos, não fazem parte das fundações nem das estruturas da edificação a ser erigida dentro do lote e, portanto, não se enquadram nas disposições do item 9.2.1 do COE.” Com a devida vênia, pensamos que a redação do aludido item nº 3 merece pelo menos quatro observações:
1) O próprio item nº 3, no seu início, define “os tirantes como elementos estruturais de ancoragem provisória”. Se os tirantes são elementos estruturais de ancoragem, não nos parece correta a parte final desse mesmo item ao dizer que os tirantes “não fazem parte das estruturas da edificação a ser erigida dentro do lote”. Ora, ou os tirantes são elementos estruturais do projeto, ou não. O que não se pode admitir é que quando interessar ao construtor os tirantes sejam vistos como elementos estruturais do projeto; e quando isto não interessar, os construtores possam alegar que os tirantes não são elementos estruturais.
2) O item nº 3, ora comentado, é certeiro em um aspecto, pois deixa claro que os tirantes de sustentação invadem subsolo alheio. Como se observa de sua redação, o item nº 3 assevera que os tirantes “não fazem parte das fundações nem das estruturas da edificação a ser erigida dentro do lote”. Dito de outra forma, os tirantes fazem parte das fundações e estruturas da edificação, mas são construídos fora do lote em que será feita a edificação. Isto, como já visto, contraria o subitem 9.2.1. da Lei Mun. nº 11.228/1992, bem como o artigo 1.299 do Código Civil. O item nº 3, nesta parte, torna óbvio que os tirantes invadem propriedade alheia, pois são elementos estruturais de ancoragem que não são construídos dentro do lote do construtor, mas sim de outrem.
3) A parte final do item nº 3 é precisa ao dispor que os tirantes “não se enquadram nas disposições do item 9.2.1 do COE”. Isto porque, se o subitem 9.2.1. da Lei Mun. nº 11.228/1992 é expresso ao dispor que “as fundações e estruturas deverão ficar situadas inteiramente dentro dos limites do lote”, quando os tirantes são construídos dentro do terreno de propriedade alheia, e sem a devida autorização, eles estão em desacordo com a lei, e por tal motivo “não se enquadram nas disposições do item 9.2.1 do COE”, como bem destaca a parte final do aludido item nº 3.
4) Se os tirantes são considerados elementos estruturais “provisórios”, o construtor, ao solicitar autorização (que é indispensável) para construí-los em terreno alheio, deve garantir de forma absoluta a posterior remoção dos mesmos, quando não mais necessários à ancoragem, suportando todos os gastos com tão complexa obra, e eventuais indenizações por perdas e danos.
Feitas estas rápidas e singelas considerações sobre o item nº 3, passaremos a analisar, ainda que de forma sucinta, o item nº 4. Entretanto, por se tratar de um tema estritamente relacionado aos deveres dos agentes fiscais, discutiremos o assunto em tópico separado.
4.2.1. Os deveres de fiscalizar, intimar, autuar e embargar obras
Como se verifica do item nº 4 da Resolução CEUSO nº 101/2006, o mesmo orienta a fiscalização para que não faça autuações ou embargue obras em que haja a construção desautorizada de tirantes em terreno alheio. Vale conferir a redação desse item, in verbis:
“4. Não cabe autuação ou embargo de obras nos termos do item 9.2.1 do COE, com base nas disposições do artigo 47 da Lei nº 14.141/06, que dispõe sobre o processo administrativo na Administração Pública Municipal.”
A mera leitura desse item já nos revela que é patente sua afronta à legislação aplicável.
Ora, o subitem 9.2.1. da Lei Muincipal, como já vimos, não deixa margem para dúvidas. É inequívoco ao exigir que qualquer tipo de construção relacionada às estruturas ou fundações da edificação fique inteiramente dentro do terreno do construtor. Esta norma se amolda com perfeição ao que determina o artigo 1.299 do Código Civil.
Dando efetividade a essa exigência legal, a mesma Lei Mun. nº 11.228/1992, em seu subitem 6.1.1. obriga os agentes fiscais a intimarem, autuarem e embargarem obras quando for constatado o desrespeito às normas de edificações dessa mesma lei. Confira-se essa disposição legal, in verbis:
“6.1.1. Constatada irregularidade na execução da obra, pela inexistência dos documentos necessários, pelo desvirtuamento da atividade edilícia como indicada, autorizada ou licenciada, ou pelo desatendimento de quaisquer das disposições desta lei, o proprietário ou possuidor e o Dirigente Técnico da Obra serão intimados e autuados, ficando as obras embargadas.”
Note-se que o comando da lei é impositivo de conduta, pois ao dizer que uma vez constatada a infração “o proprietário ou possuidor e o Dirigente Técnico da Obra serão intimados e autuados, ficando as obras embargadas”, o legislador não facultou ao agente fiscal optar por não praticar os atos inerentes à sua função pública. A lei, na verdade, manda que os agentes fiscais intimem, autuem e embarguem as obras em que sejam verificadas irregularidades.
Isto, portanto, força a conclusão que se em uma edificação se faz a construção desautorizada de tirantes dentro de terreno vizinho, o construtor está ultrapassando os limites de seu lote, e invadindo imóvel de outrem, o que implica violação ao subitem 9.2.1. da Lei Mun. 11.228/1992 (bem como ao artigo 1.299 do Código Civil).
Consequentemente, havendo tal afronta à mencionada Lei Municipal, tal como lhe ordena essa mesma lei, em seu subitem 6.1.1., o agente fiscal competente tem o dever de: a) proceder à intimação de quem de direito; b) autuar pela infração cometida; e c) embargar a obra se assim a legislação exigir.
É óbvio, desta maneira, que o item nº 4 da Resolução CEUSO nº 101/2006 contraria a legislação aplicável, sendo, por tal motivo, sem valor – Princípio da Legalidade.
De fato, por se tratar de singela resolução, que é um ato emanado da administração pública, não se trata de lei. Leis são editadas apenas pelo Poder Legislativo, e só elas (leis) têm o condão de disciplinar comportamentos (art. 5º, II, CRFB/1988).
Portanto, por se tratar de um simples item de uma mera resolução, e que não está de acordo com a legislação vigente, estamos diante de norma sem eficácia.
4.2.1.1. Da violação à lei e a improbidade administrativa
A Administração Pública é regida, dentre outros, pelo princípio da legalidade (art. 37, CRFB/1988). Ou seja, ao agente público incumbe fazer o que a lei manda. In casu, se a lei determina que não é permitido qualquer tipo de construção, seja ela provisória ou definitiva, em terreno alheio sem a autorização do respectivo proprietário, ao funcionário público cabe apenas o cumprimento de seu dever, exercendo a competente fiscalização, fazendo as autuações que forem aplicáveis, bem como tomando todas as medidas e providências cabívieis.
A Lei Mun. 11.228/1992, em seu item nº 4, determina que os requerimentos serão analisados frente a legislação municipal, conforme a natureza do pedido, observadas as normas edilícias aplicáveis, sem prejuízo da observância, por parte do Autor de Projeto, das disposições estaduais e federais pertinentes.
É inequívoco que, por essa norma, o agente fiscal encarregado de analisar e aprovar um projeto em que se pretende construir tirantes em terreno alheio, tem o dever legal de realizar todos os atos que lhe são impostos pela lei, pouco importando o que consta de resoluções administrativas.
Não bastasse isto, como vimos anteriormente, essa mesma Lei Municipal nº 11.228/1992, em seu subitem 6.1.1. exige que uma vez constatadas irregularidades no que se refere ao atendimento de quaisquer das suas disposições (dentre as quais está o item 9.2.1.), deve o funcionário público proceder à intimação, autuação e embargo da obra.
A legislação municipal aplicável (emanda do competente Poder Legislativo Municipal) não dá ao funcionário público a opção de escolher entre agir ou não diante de violações ao Código de Obras e Edificações, mas sim o obriga a tomar as providências legalmente impostas, dentre as quais lavrar autos de infração e embargar obras.
Disto se denota que a Resolução CEUSO nº 101/2006 não tem força nenhuma ao dispor que no caso de tirantes “não cabe autuação ou embargo de obras nos termos do item 9.2.1 do COE”. Isto porque, trata-se de disposição meramente administrativa que está em patente desacordo com a lei.
Hely Lopes Meirelles, especificamente tratando do tema na seara da administração pública, ensina que:
“A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37 – caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum e deles não se pode afastar ou desviar sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.
Na Administração Pública não há liberdade nem contada pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’”.
Tendo em vista que resoluções não são leis, o funcionário público deve sempre cumprir a lei, exercendo sua função de modo a praticar todos os atos que por ela, lei, forem determinados, pois ainda que resoluções, portarias, instruções normativas, ou qualquer outro ato administrativo disponham de forma diversa, é o desrespeito à lei que pode levá-lo a responder por improbidade administrativa.
Com efeito, objetivando motivar os agentes públicos ao cumprimento do que lhes exigem as leis, o artigo 11 da Lei Federal nº 8.429/1992 é claro ao estabelecer que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de legalidade. Conclui-se, portanto, que o agente fiscal deve cumprir a lei que rege seus atos e sua função.
Destarte, na medida em que o agente fiscal competente deixa de cumprir seus atos impostos pelas leis para cumprir o que sugerem as resoluções (e resoluções não são leis), nos parece, com a devida vênia, que poderá estar praticando ato de improbidade administrativa, cujas penas são bastante severas.
Conforme já entendeu o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “cumpre salientar, em princípio, que a caracterização da improbidade não depende necessariamente de prejuízo econômico para os cofres públicos, bastando a ilegalidade e inobservância dos princípios aplicáveis à gestão da coisa pública” (Apelação nº 0097322-50.2005.8.26.0000).
Noutra oportunidade, a mesma Eg. Corte de Justiça decidiu que, verbis:
“(...).
De qualquer forma, a lesão aos princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente e nem prova da lesão ao erário público. A simples ilicitude ou imoralidade administrativa é suficiente para configurar o ato de improbidade.” (AC nº 385.738.5/5-00, j. de 04.12.06,v.u).
Observe-se que, como bem concluiu o Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, no que se refere à violação de princípios administrativos, dentre os quais está o da legalidade, a configuração do ato de improbidade administrativa não exige que tenha havido o dolo ou a culpa. Basta a ilicitude (inobservar a lei) para que o ato punível se materialize.
Estas rápidas considerações, com a devida vênia, nos parecem suficientes para demonstrarem que no Município de São Paulo, embora tenha sido editada a inusitada Resolução CEUSO nº 101/2006, todas as suas disposições que estiverem em desacordo com a lei não devem ser cumpridas pelo funcionário público, haja vista a possibilidade de responsabilização por ato de improbidade administrativa.
Assim, em nosso modesto entender, referida resolução é de pouca ou nenhuma valia.
5. Conclusões
a) A Constituição Federal, em seu artigo 5º, prevê o direito de propriedade como um direito fundamental. É a própria Constituição Federal, portanto, o único diploma normativo hábil a restringir ou limitar o direito de propriedade, sendo que tais restrições, como se observa de seu bojo, estão todas relacionadas a questões de interesses público e social, não havendo nenhuma norma que permita a invasão de imóvel de um particular por outro.
b) Tirantes são estruturas de sustentação construídas no terreno que não será objeto de escavação, sendo que em muitos casos pode ocorrer de o dono da obra pretender, sem autorização do proprietário do imóvel vizinho, utilizar o terreno deste para construí-los, o que é absolutamente ilegal.
c) O direito de construir não é absoluto. O artigo 1.299 do Código Civil é expresso ao limitar o direito de construir quando determina que só é licito ao proprietário construir dentro de seu terreno, e não em imóveis alheios. Referida norma ainda exige que o construtor, além de respeitar os direitos dos vizinhos observe as regras administrativas sobre construções.
d) Toda e qualquer construção, seja ela provisória ou definitiva, em terreno vizinho e sem a autorização de quem de direito, caracteriza esbulho possessório.
e) As estruturas de ancoragem chamadas tirantes não podem ser construídas em subsolo vizinho sem o consentimento do seu proprietário, por violar frontalmente o artigo 1.299 do Código Civil. Ainda que a construção desses tirantes no subsolo vizinho não restrinja o uso que é feito pelo respectivo proprietário, e mesmo que não ofereça riscos, a autorização é indispensável, sob pena de caracterizar odioso e inadmissível ato de invasão.
f) A simples turbação decorrente da notícia de que o construtor fará uso de tirantes de sustentação em imóvel alheio vizinho já permite, ao proprietário ameaçado, o manejo de ação de interdito proibitório com pedido de liminar e fixação de multa diária por transgressão (art. 932, CPC).
f) O artigo 1.229 do Código Civil é inequívoco ao dispor que a propriedade do solo alcança o subsolo e espaço aéreo correspondentes, não sendo lícito, portanto, que um construtor vizinho invada seu subsolo para construir tirantes de sustentação sem que o proprietário autorize. A parte final do referido artigo não é uma autorização para que qualquer pessoa invada subsolo ou espaço aéreo de imóvel vizinho sob o argumento de que dessa parte do imóvel seu proprietário não faz uso.
g) O proprietário de um imóvel somente não pode se opor ao uso de seu subsolo ou espaço aéreo quando contra o seu interesse (particular) houver o interesse público. Mesmo nestes casos de interesse público, quando não for o caso de alturas elevadas ou grandes profundidades, o proprietário deve ser indenizado (art. 1.286, CC)
h) Não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma que autorize uma pessoa a acreditar que pode invadir o espaço aéreo ou subsolo de seu vizinho pelo fato de tais partes da propriedade não estarem sendo utilizadas. Pelo contrário, o ordenamento jurídico, na verdade, em uma de suas raras exceções, autoriza até mesmo que se faça uso das próprias forças, e até o limite do que for necessário, para a manutenção ou restituição da posse (art. 1.210, CC).
i) O Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em brilhante acórdão relatado pelo Exmo. Des. Erson Teodoro de Oliveira, ao julgar o Recurso de Apelação nº 991.06.041130-7, apreciou caso em que houve a construção de tirantes de sustentação em imóvel vizinho sem a devida autorização, concluindo pela ocorrência de esbulho possessório.
j) Especificamente no Município de São Paulo, a Lei Mun. nº 11.228/1992, em artigo 1º, dispõe que todas as obras e edificações são por ela (lei) regidas e devem ficar “dentro dos limites dos imóveis” (ver também o item 1 do Capítulo 1). O subitem 9.2.1. exige que toda e qualquer fundação ou estrutura seja construída dentro dos limites do terreno. Referidas disposições municipais estão em conformidade com a legislação federal (artigo 1.299, CC).
k) Resoluções administrativas, que não são atos emanados do Poder Legislativo, não possuem força para alterar ou revogar leis. Pelo contrário, qualquer norma editada pela Administração Pública deve estar em absoluta sintonia com as leis.
l) A Resolução CEUSO nº 101/2006 (SEHAB), do Município de São Paulo, além de violar a própria legislação municipal, afronta normas de hierarquia superior. Na medida em que orienta os agentes fiscais a manterem-se inertes no que se refere à fiscalização, autuação e embargo de obras em que haja a construção de tirantes invadindo imóveis vizinhos, a resolução faz letra morta dos subitens 9.2.1. e 6.1.1. da Lei Mun. nº 11.228/1992, já que os afronta em todos os seus termos. Consequentemente, ao inobservar as imposições constantes de lei a resolução torna-se sem valor.
m) O artigo 11 da Lei 8.429/1992 estabelece que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole, dentre outros, os deveres de legalidade. Desta forma, o agente fiscal tem o dever de fazer o que manda a Lei Mun. nº 11.228/1992, e não a Resolução CEUSO nº 101/2006.
n) O agente público que deixa de realizar os atos que lhe são exigidos por lei pode, em nosso modesto pensar, ser responsabilizado por improbidade administrativa.
CARLOS ALBERTO DEL PAPA ROSSI
Advogado, consultor em negócios imobiliários, pós-graduado em Direito Tributário (PUC/SP), pós-graduado em Direito Processual Civil (PUC/SP), MBA com ênfase em Direito Empresarial (FGV/SP), Extensão Universitária em Direito Imobiliário (FMU), autor do livro “Introdução ao Estudo das Taxas” e de artigos publicados em revistas especializadas e eletronicamente.
* (Reprodução autorizada desde que citada a fonte)